Guerra económica <br> contra os pobres

António Santos

O Go­verno dos EUA cortou no pas­sado dia 1 de No­vembro o valor da ajuda ali­mentar a 47 mi­lhões de pes­soas. A nova me­dida de aus­te­ri­dade, in­se­rida no quadro da pres­crição do pro­grama de es­tí­mulo fe­deral de 2009, traduz-se num corte de mais de 30 dó­lares por mês para a mai­oria das fa­mí­lias ca­ren­ci­adas, o que se re­veste de es­pe­cial gra­vi­dade tendo em conta que desde o prin­cípio da crise ca­pi­ta­lista o nú­mero de tra­ba­lha­dores de­pen­dentes de ajuda ali­mentar mais do que du­plicou.

Agora, nos cor­re­dores do Con­gresso, de­mo­cratas e re­pu­bli­canos buscam um con­senso que per­mita cortes adi­ci­o­nais. O guião é o mesmo do cos­tume: os re­pu­bli­canos as­sumem o papel de «po­lícia mau» e pro­põem um exor­bi­tante corte adi­ci­onal de quatro mil mi­lhões de dó­lares. Ins­tala-se o ner­vo­sismo, sabe-se lá o que é que o po­lícia mau nos pode fazer mais. Mas nesse mo­mento, o te­mível agente da au­to­ri­dade sai de cena e cede o lugar de in­ter­ro­gador a um sim­pá­tico e de­mo­crata «po­lícia bom» que ga­rante ao de­tido que é seu amigo e que afinal só pre­tende um corte adi­ci­onal de 400 mi­lhões.

Na ver­dade, o «po­lícia bom» de­mo­crata é res­pon­sável por al­guns dos mais graves actos de guerra de classe da his­tória re­cente dos EUA: ainda não há muito tempo, em 1996, o pre­si­dente Bill Clinton ins­ti­tuía o Per­sonal Res­pon­sa­bi­lity and Work Op­por­ti­nity Act, uma lei que li­mi­tava mons­tru­o­sa­mente os sub­sí­dios de de­sem­prego, in­va­lidez e de­fi­ci­ência ao mesmo tempo que chan­ta­geava os tra­ba­lha­dores de­sem­pre­gados para que se sub­me­tessem a si­tu­a­ções de ex­plo­ração de­su­manas.

 

Fome no co­ração

do ca­pi­ta­lismo

 

Se­gundo as es­ta­tís­ticas ofi­ciais do Go­verno dos EUA, cerca de 50 mi­lhões de ame­ri­canos vivem em si­tu­ação de «in­se­gu­rança ali­mentar». Destes, 16 mi­lhões são cri­anças. Mas os novos cortes não serão um drama para todos: Bill Simon é o CEO da Wal­mart, o maior em­pre­gador pri­vado dos EUA e uma ca­deia de su­per­mer­cados co­nhe­cida pelas con­di­ções mi­se­rá­veis em que ex­plora os seus tra­ba­lha­dores. No final de 2011, Simon levou para casa um prémio de 14 mi­lhões de dó­lares, por ga­rantir junto dos par­tidos re­pu­bli­cano e de­mo­crata o cres­ci­mento dos lu­cros da sua em­presa. Com efeito, os ac­ci­o­nistas da Wal­mart já estão a contar com a nova bo­nança dos cortes e pre­vêem que a mai­oria das fa­mí­lias atin­gidas pelos cortes agora tenha que com­prar co­mida no gi­gante dos su­per­mer­cados.

Os EUA são o país do mundo que gasta mais di­nheiro em ar­ma­mento e guerras. Nem os gastos de de­fesa com­bi­nados de todos os países do mundo al­cançam as for­tunas que os EUA de­dicam ao ar­ma­mento. Com Obama, 57% do or­ça­mento fe­deral é de­di­cado ao exér­cito e ou­tros corpos mi­li­tares. A edu­cação, por seu turno, cor­res­ponde a 6% e a saúde a 5%. Os ver­da­deiros pro­blemas de se­gu­rança dos EUA, a fome e a mi­séria do seu povo, são con­si­de­rados ir­re­le­vantes quando com­pa­rados às ur­gên­cias po­lí­ticas do im­pério. Como é que 50 mi­lhões de tra­ba­lha­dores vão so­bre­viver sem este sub­sídio, não é uma emer­gência.

A sanha ca­nibal da grande bur­guesia gera também con­sequên­cias ines­pe­radas. Uma onda gre­vista co­meça a ga­nhar mo­mento e, como es­pe­rava Rosa Lu­xem­burgo, con­tagia os tra­ba­lha­dores como um fogo na pra­daria. Im­por­tantes pro­testos dos tra­ba­lha­dores dos cor­reios, dos res­tau­rantes de co­mida rá­pida, dos pro­fes­sores, dos con­du­tores de au­to­carros e das grandes su­per­fí­cies co­mer­ciais, con­quistam agora uma im­por­tância po­lí­tica que há cinco anos seria im­pon­de­rável. E mesmo a nível elei­toral, notam-se im­por­tantes si­nais de mu­dança. Em ci­dades como Mi­neá­polis ou Se­attle, can­di­datos que se as­sumem aber­ta­mente como so­ci­a­listas con­quistam estes dias entre 30 e 50% dos votos.

Há pouco tempo, um amigo norte-ame­ri­cano dizia-me que nascer nos EUA é como en­trar a meio para um jogo de mo­no­pólio: todas as pro­pri­e­dades já estão com­pradas e onde só temos o di­nheiro com que co­me­çámos. Como um ele­fante na sala, torna-se óbvio que a di­fi­cul­dade cres­cente do povo es­tado-uni­dense em so­bre­viver não pode ser ul­tra­pas­sada com as re­gras deste jogo.



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